O panorama das responsabilidades parentais em Portugal permanece alarmante, com um sistema judicial que falha em proteger aqueles que mais necessitam de salvaguarda: as crianças. Apesar de progressos na igualdade de tratamento entre pais homens e mulheres, problemas graves como a alienação parental continuam a ser uma constante, deixando famílias despedaçadas e crianças como as maiores vítimas de um sistema que deveria protegê-las.
Este cenário é agravado pela morosidade insustentável dos processos judiciais. Não é aceitável – e é uma clara violação dos direitos humanos – que um processo relativo a uma criança de cinco anos se arraste por seis ou sete anos, muitas vezes sem que se tenha produzido qualquer prova. Durante este tempo, a infância dessa criança passa, e o seu desenvolvimento psicológico e emocional sofre danos irreparáveis. É fundamental que se estabeleçam prazos máximos para estes processos, sendo imperativo que tenham uma duração máxima de um ano. A celeridade não é apenas uma questão de eficiência, mas um imperativo ético e legal para salvaguardar os direitos das crianças.
A solução para esta crise passa também pela reforma estrutural dos tribunais de crianças. Estes devem ser tribunais coletivos, compostos por um painel de juízes e especialistas que garantam decisões mais equilibradas e bem fundamentadas. Além disso, é essencial garantir a independência do Ministério Público no âmbito destes processos. Os procuradores de crianças precisam finalmente de sair debaixo da beca do juiz. Esta expressão, que espelha bem a falta de autonomia, reflete uma verdade: o Ministério Público, em muitos casos, não atua como um verdadeiro defensor da criança, mas sim como uma extensão da vontade judicial. Para garantir essa independência, é necessário que o Ministério Público deixe de partilhar a mesma porta com o juiz e opere em condições que assegurem a sua imparcialidade.
As falhas do sistema não param por aqui. Vivemos num contexto em que jovens adultos, vítimas do sistema judicial enquanto crianças, crescem com uma estrutura psicológica danificada. Muitos perderam um dos pais devido a decisões judiciais que permitiram afastamentos injustificados ou que perpetuaram conflitos entre os progenitores. Estes jovens adultos, marcados por essas falhas, carregam ressentimento contra todos os que participaram no processo: o juiz que decidiu, o procurador que nada promoveu, os técnicos assistentes sociais que falharam, os advogados que representaram os seus pais sem considerar o seu bem-estar, e, frequentemente, contra os próprios progenitores.
É imperativo questionar: quem irá indemnizar estes jovens adultos, cujas vidas foram prejudicadas por erros do legislador e do julgador? Faz sentido que o Estado assuma a responsabilidade por estas falhas, mesmo que decorram décadas. A responsabilidade civil deve ser considerada, como forma de reconhecer os danos causados e, mais importante, de evitar que estas injustiças se repitam.
A necessidade de mudança é urgente. É essencial criar um sistema judicial que promova processos céleres, decisões equilibradas e independência real entre os diferentes intervenientes. Além disso, a sociedade deve unir esforços para humanizar o debate sobre responsabilidades parentais, dando voz às vítimas e propondo soluções práticas e justas.
Os tribunais de crianças devem tornar-se um espaço onde a proteção e o bem-estar das crianças sejam a prioridade absoluta. Não é apenas uma questão de reforma judicial; é uma questão de justiça e humanidade. O futuro das crianças não pode continuar a ser comprometido por um sistema que insiste em perpetuar as falhas do passado. É tempo de agir, de forma decidida e corajosa, para construir um sistema verdadeiramente digno desse nome.